segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sonhos lúcidos

Essa frase, essa revelação, esse estado de surpresa embasbacante é o objetivo dos alunos por ali. Mas de longe não é um fim em si mesmo. Porque se dar conta é apenas o começo. Para um sonho lúcido valer a pena, precisamos:
1- Não acordar.
2- Manter a lucidez.
3- Lembrar do sonho ao despertar.
Cada uma dessas técnicas demanda exercícios e resoluções diferentes. Manter um diário de sonhos detalhado, repetir para si mesmo ao deitar que “vai porque vai saber que está sonhando”, procurar sinais de sonhos na vida real, ganhar o hábito de testar a realidade, entender os ciclos do sono e como a consciência constrói a realidade. “OK, OK”, pode pensar o leitor, “pra que isso? Por que não sonhar em paz e tocar a vida como sempre?”. Pergunta crucial que LaBerge respondeu na primeira entrevista que deu à Trip. Enquanto boiava em uma piscina de águas termais com vista para o mar.
“Para muita gente, especialmente para nossa cultura, sonhar é apenas sonhar. Algo que pode ser esquecido. Tudo bem... pode-se ver assim. Mas não precisa ser assim. Se você analisar a atividade cerebral durante o estado de REM, vai ver claramente que ela é mais do que semelhante à do estado desperto. O que significa que nossa mente está com o mesmo processo de construção da realidade, mas nossos sentidos estão fechados. Então utilizamos na construção desse novo mundo coisas que ficam em segundo plano quando estamos acordados. Nossos medos, nossos desejos, necessidades... Se estivermos atentos a isso, capazes de pensar e interagir com esse mundo interno, poderemos aprender muito sobre nós mesmos e enfrentar medos e coisas que, na vida real, vão para debaixo do tapete.”
Autoconhecimento, portanto. A boa e velha busca milenar...
“Sim. E você pode levar isso a níveis muito mais complexos e interessantes. Ter experiências de morte, ir para diferentes universos, livrar-se do corpo, entrar em contato com sentimentos de unidade muito profundos, com o indizível mesmo...”, e fecha a boca com um sinal de zíper. Para logo abrir em uma larga risada: “Ou apenas sair voando e fazer sexo, pela pura diversão”.
Mas você enxerga algo espiritual, a possibilidade ou a presença da algo como alma nesse processo?
“Eu sou um cientista. E mantenho minhas certezas e lições calcadas nas evidências. Agora, sinto que há uma terceira parte da nossa consciência que não está presa ao plano físico newtoniano... Veja... temos o hardware, que é nosso cérebro, a química e os impulsos elétricos que coordenam uma parte. Temos o software, que são as programações e os jogos mentais que possuímos como espécie, a linguagem, arte, códigos, a cultura para lidarmos com o mundo. E há uma instância que me parece ter a ver com a noção de quem somos, com o sentimento de busca, de conexão com algo maior e...”, zipa a boca de novo, “com a capacidade de perceber a unidade, algo que não fomos feitos para entender... mais do que isso... não posso afirmar.”

Sonhar não custa nada, mas a lucidez made by LaBerge pode ser bem salgada. Para um brasileiro, dependendo da época do ano, pode sair por até R$ 10 mil. Isso sem a garantia de que você vai voltar para casa com ao menos um sonho lúcido daqueeeles. O que você pode ter certeza é que vai voltar carregado de ferramentas para continuar a tentativa no aconchego de seu lar, e não mais no Havaí, distante e cheio de sapos insones. Nove noites em seqüência de máscara no rosto, interrupções voluntárias, testes de realidade, anotações e meditações. E nove manhãs para relatar em grupo os sucessos e fracassos da noite.
Cada aluno no workshop também é um rato de laboratório do instituto Lucidity. Todos preenchem relatórios e fichas com horários, notas e breves descrições da noite. Esse processo analítico – no qual devemos julgar desde o quão bizarro foi o sonho, quanto sexo houve, até notar qual narina ficou mais aberta durante a noite – é mais um adubo na qualidade das memórias do sonho. De novo, a condição número um para a lucidez.
Eu poderia dizer que não era um forte candidato a ter sonhos lúcidos com facilidade. Dos presentes, eu era o único que não havia pesquisado sobre o assunto, nem havia tentado sozinho ou comprado os livros de LaBerge. Além disso, o custo da empreitada não saiu do meu bolso... Por outro lado, minha paranóia de retornar ao Brasil com uma matéria decente nos cadernos aumentava minha ansiedade e desejo de ter um sonho lúcido. Principalmente quando, a cada manhã, novas pessoas erguiam as mãos sorrindo. Tiveram um sonho lúcido na madrugada.
Meu problema, e o da maioria, era justamente a ansiedade, que cuidava de manter um sonho leve demais para ser retido quando eu começava a suspeitar que aquilo era, de fato, um sonho. Eu me preocupava com a máscara, com o inglês que dormia na cama ao lado e roncava, com a matéria, com não acordar. É como sexo... encanar demais com performance é a receita do fracasso. Depois de cinco dias de frustração, meu humor de coito interrompido, Stephen lança a novidade. As pílulas roxas.
Antes de recebermos os saquinhos com duas cápsulas, uma aula sobre a substância e um contrato padrão que nos comprometia a não revelar o nome da medicação. O motivo é muito simples: evitar alarde. Como droga ainda legal, vendida de forma natural na internet e em certas farmácias, a fama pode ser uma péssima companhia. Da mesma forma que muitos psicoativos de alto poder terapêutico, que começam a vida em caixinhas de laboratórios, nossas pílulas do sonho podem muito bem cair na lista negra dos EUA. Aquela que demoniza qualquer atalho químico para transformações da consciência.
Diferentemente de psicodélicos, com os quais a realidade pode ser transformada pela percepção em estados muitas vezes comparáveis a sonhos, a pílula roxa só se revela psicodelicamente quando dormimos. Durante o dia, o máximo que ela provoca é um acréscimo de atenção e algum estímulo. No sono... os sonhos ganham cores e formas formidáveis, complexidades incomuns e, o principal, um boost de memória que facilita e muito o tal “Ahá!
Eu me lembro!”. Não deu outra... segui a receita. Acordei no meio do terceiro ciclo de REM da noite, depois de três horas e meia de sono. Recordei do meu sonho, levantei da cama por meia hora, voltei aos lençóis, tomei os comprimidos e mentalizei até dormir: vou me tocar que estou sonhando... Foi quando me vi na Rubem Berta e saí voando. Foi quando, depois de me sentir um super-herói em um universo paralelo, materializou-se dr. Albert Hofmann para minha tão... sonhada entrevista.

http://revistatrip.uol.com.br/167/psicodelia/05.htm

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